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A língua é uma das minhas maiores paixões - seja no campo da linguística seja relativa ao paladar. Este blog está centrado na primeira opção, mas de tudo um pouco pode ser encontrado aqui: leituras deleite, dicas, tira-dúvidas, análises linguísticas e tópicos de gramática normativa, curiosidades, humor e muito mais. Está esperando o quê?! Professor Diogo Xavier

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sábado, 28 de maio de 2011

ENEM 1998 e a adequação linguística

Neste post, vou comentar três questões da primeira prova do ENEM,em 1998. Um dos aspectos tratados é justamente o da variação linguística e da adequação. Aliás, questões abordando a variação linguística na perspectiva de que todas são corretas e devem se adequar à situação de comunicação aparecem nesse exame praticamente todo ano. É incrível como a mídia - a Globo, para ser mais preciso - nada comentou sobre o ENEM "deturpar a linguagem" ou "ensinar a falar errado". Enfim.
Aí vai (sublinhados - grifo meu):

Para falar e escrever bem, é preciso, além de conhecer o padrão formal da Língua Portuguesa, saber adequar o uso da linguagem ao contexto discursivo. Para exemplificar este fato, seu professor de Língua Portuguesa convida-o a ler o texto Aí, Galera, de Luís Fernando Veríssimo. No texto, o autor brinca com situações de discurso oral que fogem à expectativa do ouvinte.
Aí, Galera
Jogadores de futebol podem ser vítimas de estereotipação. Por exemplo, você pode imaginar um jogador de futebol dizendo “estereotipação” ? E, no entanto, por que não?
- Aí, campeão. Uma palavrinha pra galera.
-Minha saudação aos aficionados do clube e aos demais esportistas, aqui presentes ou no recesso dos seus lares.
- Como é?
- Aí, galera.
- Quais são as instruções do técnico?
- Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada, com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação.
- Ahn?
- É pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça.
- Certo. Você quer dizer mais alguma coisa?
- Posso dirigir uma mensagem de caráter sentimental, algo banal, talvez mesmo previsível e piegas, a uma pessoa à qual sou ligado por razões, inclusive, genéticas?
- Pode.
- Uma saudação para a minha progenitora.
- Como é?
- Alô, mamãe!
- Estou vendo que você é um, um...
- Um jogador que confunde o entrevistador, pois não corresponde à expectativa de que o atleta seja um ser algo primitivo com dificuldade de expressão e assim sabota a estereotipação?
- Estereoquê?
- Um chato?
- Isso.
Correio Braziliense, 13/05/1998.

03 O texto retrata duas situações relacionadas que fogem à expectativa do público. São elas:
(A) a saudação do jogador aos fãs do clube, no início da entrevista, e a saudação final dirigida à sua mãe.
(B) a linguagem muito formal do jogador, inadequada à situação da entrevista, e um jogador que fala, com desenvoltura, de modo muito rebuscado.
(C) o uso da expressão “galera” , por parte do entrevistador, e da expressão “progenitora” , por parte do jogador.
(D) o desconhecimento, por parte do entrevistador, da palavra “estereotipação” , e a fala do jogador em “é pra dividir no meio e ir pra cima pra pegá eles sem calça” .
(E) o fato de os jogadores de futebol serem vítimas de estereotipação e o jogador entrevistado não corresponder ao estereótipo.
A questão afirma que há duas situações que fogem à expectativa do leitor. Como no texto há várias situações inusitadas, não vamos em busca de trechos específicos, pois não encontraremos apenas dois. Isso elimina as alternativas A (duas falas, trechos, portanto), C(usos de palavras, situações muito específicas. Há muito mais quebras de expectativa) e D (mais uma vez, trechos muito específicos). Na letra E, o fato de o jogador não corresponder ao esperiótipo é, de fato inusitado, mas o fato de jogadores serem esteriotipados não é novidade. Na alternativa B, a primeira afirmação é a de que o jogador usa uma linguagem muito formal, INADEQUADA ao contexto, quebrando uma expectativa. Verdade. A segunda 'quebra' é o fato desse jogador dominar uma linguagem tão rebuscada, fugindo ao esteriótipo. Fato. Portanto, a alternativa B responde à pergunta.

 
04 O texto mostra uma situação em que a linguagem usada é inadequada ao contexto. Considerando as diferenças entre língua oral e língua escrita, assinale a opção que representa também uma inadequação da linguagem usada ao contexto:
(A) “o carro bateu e capotô, mas num deu pra vê direito” - um pedestre que assistiu ao acidente comenta com o outro que vai passando.
(B) “E aí, ô meu! Como vai essa força?” - um jovem que fala para um amigo.
(C) “Só um instante, por favor. Eu gostaria de fazer uma observação” - alguém comenta em uma reunião de trabalho.
(D) “Venho manifestar meu interesse em candidatar-me ao cargo de Secretária Executiva desta conceituada empresa” - alguém que escreve uma carta candidatando-se a um emprego.
(E) “Porque se a gente não resolve as coisas como têm que ser, a gente corre o risco de termos, num futuro próximo, muito pouca comida nos lares brasileiros” - um professor universitário em um congresso
internacional.

Alô, rede Globo, esse é o conceito de adequação / inadequação de que fala o livro "Por uma vida melhor". Se há algum absurdo nisso, como é que passou despercebido todos esses anos??? Será que o MEC tentou encobrir? Será conspiração do governo para os alunos não aprenderem a falar? Santa paciência!!! Mais uma, entre tantas, provas do seu equívoco, caros jornalistas globais.
Buscamos, agora, uma fala inadequada ao contexto. Na alternativa A e B, temos contextos de uso da língua informais. O discurso apresentado é típico da variedade popular da língua. Ambas estão ADEQUADAS, portanto. Nas letras C e D, a situação discursiva exige um grau maior de formalidade e, portanto, uma fala mais próxima da norma culta, conforme as duas alternativas apresentam. Também estão ADEQUADAS. Resta a alternativa E. A NORMA CULTA é considerada a variedade linguística  usada por pessoas que possuem curso superior completo em contextos de formalidade. O uso de expressões como "a gente" (expressão correspondente a um pronome pessoal, típico de linguagem informal), "coisa"(expressão vaga em contextos formais), "muito pouca" (problema estilístico), e "a gente / termos" (a gente concorda na 3ª pessoa do singular e 'termos' está na 1ª do plural), em um contexto que exige formalidade, demonstram INADEQUAÇÃO.

05 A expressão “pegá eles sem calça” poderia ser substituída, sem comprometimento de sentido, em língua
culta, formal, por:
(A) pegá-los na mentira.
(B) pegá-los desprevenidos.
(C) pegá-los em flagrante.
(D) pegá-los rapidamente.
(E) pegá-los momentaneamente

Engraçado... tem um exercício parecido no primeiro capítulo do livro "malhado" pela tv Bobo, solicitando a conversão da norma popular para a norma culta. Isso é ensinar a falar errado??? Eu acho que NÃO!
Voltando à questão, quem não conhece a expressão "pegar sem calça", pode tentar deduzir pelo texto formal do jogador que antecede essa expressão: "Nosso treinador vaticinou que, com um trabalho de contenção coordenada (parte do time esperar na defesa), com energia otimizada, na zona de preparação, aumentam as probabilidades de, recuperado o esférico, concatenarmos um contragolpe (recuperar a bola e fazer um contra-ataque) agudo com parcimônia de meios e extrema objetividade, valendo-nos da desestruturação momentânea (o time adversário se reorganizando no campo após ataque frustrado) do sistema oposto, surpreendido pela reversão inesperada do fluxo da ação." Acredito que dá para deduzir que o treinador orientou o time para aproveitar o oponente DESPREVENIDO. Ou seja, letra B.

Sem mais delongas, por enquanto é só. Desde o início, a proposta do ENEM vem incorporando avanços significativos no tratamento de conteúdos curriculares e vem melhorando nesse sentido - independentemente dos problemas na aplicação da prova nos últimos anos. O problema é que muitas salas de aula ainda não despertaram para essa nova realidade.

Abraço a todos.
Prof. Diogo Xavier


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